Guilherme

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El Dorado

01/11/2009 23:50

Neste domingo foi realizado pela primeira vez o Grande Prêmio de Abu Dhabi de Fórmula 1. Além do fato de o título do campeonato já estar decidido, havia outro motivo para não prestar muita atenção à prova: é uma aberração. Os Emirados Árabes não têm relevância alguma no automobilismo (o que não significa que não possam ter um dia) e seus sheikhs endinheirados compraram o direito de sediar uma corrida. Construíram uma pista desagradável para os pilotos e inventaram algumas maluquices sem sentido para tentar dar alguma atratividade, como a saída dos boxes em um túnel e o horário misto de competição. O GP de Abu Dhabi é só mais uma prova de que os magnatas do petróleo do tal “mundo árabe” veem o esporte como um brinquedinho.

O futebol da região é um ótimo exemplo disso. Os campeonatos nacionais de países como Qatar, Bahrein, Kuwait ou os próprios Emirados Árabes estão sempre com os estádio vazios. Apenas os sheikhs assistem os duelos entre suas equipes milionárias, repletas de jogadores em fim de carreira ou em busca de um pé-de-meia fácil. O nobre jogo bretão inexiste naquelas terras – é tudo importado, desde a força de trabalho até o conhecimento teórico e técnico. Não há preocupação com a evolução nacional dentro do esporte, só com a grana que pode ser movimentada. Quanto ao uso do desporto como ferramenta social, então, nem se fala. O objetivo não é criar uma cultura esportiva. É entreter os ricaços.

Isso não se restringe às fronteiras. Que o diga, por exemplo, o Manchester City, clube de estimação do sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan. Graças a ele, os Citizens estão passando por cima da história, bagunçando o equilíbrio financeiro do futebol mundial e sendo catapultados a um posto de estrelato na Premier League à base das verdinhas. A influência é assustadora: no jogo mais recente dos azuis de Manchester, contra o Birmingham, oito dos 11 jogadores em campo foram adquiridos na administração de Sheikh Mansour, que recém completou um ano.

Enquanto as brincadeiras dos chefões árabes ficam restritas a seus próprios mundinhos paralelos, temos menos a lamentar. Quando elas passam a fazer diferença dentro de ambientes reais e competitivos do esporte global, temos problemas. À medida em que crescem as vozes dos sheikhs no cenário desportivo legítimo, os princípios vão dando lugar ao poderio financeiro. Por mais que o dinheiro tenha poderes virtualmente ilimitados em qualquer lugar, ainda podemos contar com o espírito de cada esporte para manter algumas coisas do jeito que sempre devem ser. O importante é que as decisões esportivas sejam sempre tomadas tendo como referência o bem do próprio esporte e de seus praticantes e entusiastas, ficando o dinheiro na posição de acessório de tudo isso. Os sheikhs estão invertendo essa lógica. E estão ganhando.

Inversão de valores

11/10/2009 19:34

As rodadas de número 28 e 29 do Brasileirão jogaram nova luz sobre um fato que está inserido dentro de um grande problema. Seis times que disputam ferozmente posições no topo da tabela cederam jogadores fundamentais à Seleção Brasileira: Diego Souza pelo Palmeiras, Miranda pelo São Paulo, Diego Tardelli pelo Atlético-MG, Sandro pelo Internacional, Adriano pelo Flamengo e Victor pelo Grêmio. Por uma combinação de coincidências e consequências verdadeiras, cinco dessas equipes concluíram a 28ª jornada sem vitória (e o único triunfante, o Inter, venceu o Náutico em casa…). Até este momento da 29ª, quatro jogaram, dois perderam e um empatou (o único vencedor, o Flamengo, derrotou um dos perdedores, o São Paulo).

É claro que a ausência dos jogadores importantes faz uma diferença. No presente caso, não tanta quanto se propagandeia por aí, mas o suficiente para que se evidencie, mais uma vez, a ilogicidade de se agendar rodadas do campeonato mais importante do país na mesma época de jogos da seleção nacional. É claro que astros do torneio serão chamados para vestir a amarelinha e deixarão seus clubes na mão em momentos decisivos. No momento atual das eliminatórias, com o Brasil já classificado, é revoltante ser obrigado a ceder seus principal atleta para partidas de pouca importância das quais ele voltará cansado e com a cabeça um pouco fora do lugar. Mas a culpa não é da seleção brasileira ou de Dunga. A culpa é da CBF.

Dunga, na posição de técnico da seleção brasileira, tem o direito (o dever, melhor dizendo) de convocar quem ele entender que merece uma chance, quem estiver mostrando serviço e puder ser útil à Canarinho. Ao mesmo tempo, os clubes não podem sair prejudicados quando seus jogadores vão servir o selecionado. Uma convocação para a seleção brasileira deve ser boa para todos: para o convocado, para a seleção, para o clube e para os torcedores. A CBF, na posição de gestora e organizadora (risos) do futebol brasileiro, precisa garantir que esse equilíbrio se mantenha. Em um cenário de conflito de calendários, ninguém fica por cima.

A seleção brasileira não tem o mesmo prestígio que tinha há vinte anos, ou mesmo há dez anos. Cabe ao órgão máximo do futebol tupiniquim preservar a imagem da equipe nacional, fazer com que o torcedor sinta-se representado quando vê a camisa amarela entrando em campo. Colocar a seleção contra os clubes é a maneira exata de fazer tudo do jeito errado. Entre seu time do coração e a seleção brasileira, o torcedor sempre vai escolher o time. No Brasil é assim. Se a saída de um craque para uma disputa internacional prejudicar seu time, o torcedor não vai ficar contente. Isso cria um paradoxo insustentável, uma inversão de valores: no Brasil, os torcedores veem uma convocação para a seleção como uma coisa ruim.

De que malandragem estamos falando?

27/09/2009 15:37

A maior polêmica recente do esporte mundial foi, sem dúvida, a descoberta do estratagema de Nelsinho Piquet, Flavio Briatore e Pat Symonds na Fórmula 1, que culminou no julgamento da última segunda-feira. Um caso abjeto de sabotagem de um evento esportivo, o que contraria todo o espírito daquilo que os envolvidos praticam (praticavam, no caso de Briatore). O esporte, na sua concepção fundamental, não é meramente uma competição. É uma atividade nobre do ser humano, que envolve todo um conjunto de regras implícitas e códigos de honra. Os profissionais da Renault estraçalharam cada um desses princípios ao fazer o que fizeram. Definitivamente, uma vergonha.

O futebol, como se sabe, nasceu como um esporte de cavalheiros: sofisticado, elegante, ético (o efeito colateral era ser elitista, mas isso não vem ao caso para os propósitos deste texto). Ainda é encarado como tal em sua terra de origem, a Inglaterra. Cada povo, porém, adaptou o jogo à sua cultura. Esse é um aspecto maravilhoso do futebol: reflete e incorpora as diferentes sociedades e suas idiossincrasias. No Brasil, é comum ouvir falar do futebol como uma expressão de malandragem, de ginga, de engambelação. Sempre, claro, no bom sentido. O drible e a finta de corpo são as manifestações desses conceitos dentro do jogo.

Mas e quando, em vez de enganar USANDO o jogo, os praticantes preferem enganar O PRÓPRIO jogo? É uma distinção que alguns, por desfaçatez ou ignorância, não fazem. Consideram ser estritamente a mesma coisa. Nessas situações, caímos novamente na história da Renault: uma destruição da alma do esporte. Foi o que aconteceu, por exemplo, na partida entre Ceará e Paraná, no domingo passado, pela 25ª rodada da Série B. O atacante paranista Wellington Silva, sem um milímetro de vergonha na cara, enfiou a mão na bola após um cruzamento para dar a vitória ao tricolor de Curitiba. Uma irregularidade escandalosa, cometida por um futebolista que não preza pela integridade do futebol.

Não é só no Brasil, óbvio. Uma das notícias mais impressionantes da semana foi a descoberta de que o goleiro dinamarquês Kim Christensen, do Göteborg, tinha por hábito mover os postes das balizas que defendia para encolhê-las. Ele, santinho, admitiu na hora. O Göteborg, coincidentemente ou não, é líder do campeonato sueco pelo saldo de gols. Trata-se também de uma clara violação aos princípios morais sob os quais se baseia o futebol. Os companheiros de Christensen não só disseram que sabiam das traquinagens de seu arqueiro como também eram adeptos da prática, só que de modo inverso: alargavam os gols adversários. O caso todo foi tratado como uma grande pândega, um caso curioso do futebol mundial. Eu vejo diferente. Vejo como sabotagem ao esporte, pura e simplesmente.

A atitude de Wellington Silva também foi levada na brincadeira. Em reportagens no dia seguinte à partida, colegas de clube do jogador tentavam amenizar o caso, mas dividiam umas boas risadas com os repórteres. Montagens pipocaram na internet, colocando o atacante e seu braço erguido nas mais diversas e cômicas situações. Não tenho absolutamente nada contra o bom humor, mas ele não pode deixar que vejamos o caso como o que ele realmente é: covardia. Trapaça. Wellington deve ter se achado muito esperto, muito “safo”. Afinal, deu a vitória a seu time, e só o que importa é a vitória, certo? Não para mim.

Piquetgate

11/09/2009 23:40

O imbróglio entre os Piquets e a Renault já tem tantos desdobramentos que é muito difícil fazer qualquer comentário com o bonde andando. Mas um ponto, em especial, chamou minha atenção.

Há quem aproveite o episódio para comentar que Rubens Barrichello, em seus tempos de Ferrari, cedia aos desmandos da chefia da mesma forma como Nelsinho (diz que) cedeu a Flavio Briattore, ambos cumprindo ordens da equipe para beneficiar seus companheiros. Por um lado, sim, são atitudes iguais. Por outro, são completamente diferentes.

No esporte, qualquer atitude tomada fora do âmbito da competição e que influencie no resultado é prejudicial. Isso inclui o tal “jogo de equipe”. Tornou-se uma prática ilegal recentemente, mas seus méritos éticos já eram muito discutidos. Entregar a posição ao companheiro de equipe altera a pontuação do piloto mais bem colocado sem que ele tenha conquistado isso na pista. Como resultado, seus adversários diretos ficam em desvantagem e não podem fazer absolutamente nada a respeito. Era o que Rubinho e Schumacher faziam. Extremamente contestável. Neste ponto, os dois pilotos brasileiros são semelhantes.

No caso da Renault, porém, Nelsinho não apenas facilitou a vida de Alonso. Ele dificultou a vida de todos os outros colegas. A batida proposital é uma influência direta no andamento da corrida e no desempenho particular de cada piloto, enquanto a troca de posições age de forma mais indireta no campeonato. Além disso, há os riscos inerentes a um acidente com um carro de Fórmula 1, como destroços à solta. Por fim, outra diferença fundamental: a Ferrari operava seu jogo às claras. Todo mundo que assistisse a corrida tinha plena consciência do que estava acontecendo, e ninguém se preocupava em esconder. A Renault agiu na surdina, em uma operação que envolveu apenas dois integrantes da alta cúpula da equipe e o piloto brasileiro. Em termos diretos, a Renault sabotou a prova. A revelação, oportunista, só veio quando um conflito de interesses pessoais se instaurou.

Todos os envolvidos devem ser punidos. Nelsinho não pode escapar do castigo só porque trouxe tudo à tona, até pelos próprios motivos que teve para contar a verdade: não por arrependimento ou culpa, mas sim como retaliação. É só lembrar de Roberto Jefferson no caso do mensalão. Não sei quem bolou o plano, se foi Briattore, Symonds ou Piquet (tanto pai quanto filho). O que interessa é que todos estavam a par e levaram a situação até o fim. Portanto, que se faça o que é certo.

Atenção, atacantes do Brasil

08/09/2009 21:55

Há algum tempo já se fala que só há uma vaga em aberto no ataque da seleção brasileira para a Copa do Mundo. Luís Fabiano e Robinho estão garantidos até a última trava da chuteira e Nilmar vai cavando seu espaço discreta e consistentemente. Alexandre Pato já foi forte candidato à quarta vaga e Diego Tardelli é uma aposta a ser analisada. Mas as esperanças podem acabar amanhã.

O Brasil vai pisar no gramado do Pituaçu com a vaga para a Copa debaixo dos braços e a torcida a favor, mas terá do outro lado um adversário traiçoeiro: o Chile de Marcelo Bielsa. Uma equipe sem grife, mas muito regular e determinada, e que também garante seu lugar no mundial com uma vitória. Em outras palavras, um legítimo desafio.

Onde está o seu deus agora?

E quem será o camisa 9, a referência ofensiva e o principal responsável pela positividade do placar canarinho? Pois é, Adriano. E Adriano com vontade, ainda por cima. Esqueça tudo que já se falou sobre ele até este momento. O Imperador certamente entrará em campo para fazer o jogo da sua vida. O jogo que pode certificar sua presença na África do Sul.

Vários fatores já contribuem para que a balança penda para o lado de Adriano desde sempre. Um centroavante com seu estilo é um must have em um time conservador como o de Dunga. O técnico com certeza tem fé no flamenguista, ou não teria, no passado, continuado a chamá-lo mesmo em fases ruins. Por fim, bem, Adriano (quando quer) é um dos melhores atacantes que temos.

"Assim você me deixa encabulado"

Claro, todo esse contexto, por si só, não coloca ninguém numa Copa do Mundo. É preciso corresponder quando se espera. Agora Adriano tem sua chance de fazer isso. Uma atuação de bom nível (não é preciso nem que seja brilhante) contra os chilenos, começando como titular, é o que separa o canhoto de sua segunda participação no torneio mais importante do futebol mundial. Não digo que será a última chance, mas é uma que não se deve jogar fora.

Por isso, é bom que Patos, Tardellis, Loves e (por que não?) Ronaldos fiquem bem ligados na partida de amanhã. Ela pode selar a fortuna dos avantes brasileiros.

Conhecendo o adversário

10/08/2009 21:55

Sabe em que esporte a Estônia é boa? Carregamento de esposas. Não é piada. O país venceu 11 dos 13 campeonatos mundiais. Além disso, o casal estoniano formado por Madis Uusorg e Inga Klauso é o recordista em tempo (55.5 segundos na pista de 253.5 metros em 2000) e em títulos (seis). O país é uma referência tamanha que existe um estilo de se carregar a moça chamado “estilo estoniano”, em que a carregada, postada de ponta-cabeça, abraça o pescoço do carregador com as pernas e se agarra na cintura dele. Veja você. Mas vamos jogar futebol contra eles. E a Estônia está para futebol assim como eu estou para as Grandes Navegações.

 

Estônia, aparentemente.

 

Atualmente, a Estônia ocupa o retumbante 112º lugar no ranking da FIFA, entre as potências Suriname e Granada. Nunca disputou uma Copa do Mundo. Nas eliminatórias europeias para a 2010, a seleção estoniana está na quinta posição do grupo 5, à frente apenas da traiçoeira Armênia com uma vitória, dois empates e três derrotas, cinco gols marcados e 15 sofridos. Pode alcançar, no máximo, a repescagem, e isso se vencer todos os seus próximos quatro compromissos.

 

Em matéria de retrospecto recente, pode-se dizer que a Estônia é bem bipolar. Em sua última partida, um amistoso, empatou em 0-0 com Portugal em Tallin, um resultado bacana. Aliás, os “Camisas Azuis” estão invictos em sua capital há seis jogos, marca que teve início em outubro de 2008, em uma igualdade sem gols contra a Turquia. Por outro lado, a seleção acumula reveses contra Gales, Casaquistão (jogando em casa, em Antalya) e Bósnia, este último simplesmente por 7-0 (!).

 

A convocação do técnico Tarmo Ruutli para o jogo contra o Brasil não é promessa de grandes sustos. Dos três grandes astros do futebol estoniano recente, dois acabaram de se aposentar e o terceiro não foi chamado. O meia Martin Reim, jogador que mais atuou pela seleção de seu país (157 jogos), deixou os gramados em junho, num amistoso contra Guiné Equatorial. O goleiro Mart Poom, 120 aparições, fez sua última partida justamente contra Portugal. Ele é mais notório do que seus outros compatriotas: já defendeu Portsmouth, Sunderland e Arsenal. Por fim, Andres Oper, atacante de 31 anos do Shanghai Shenhua, é o maior artilheiro da história da seleção estoniana (35 gols) e considerado o melhor jogador que o país já produziu. Porém, não foi convocado para o amistoso contra a Amarelinha.

 

Uma olhada na lista de vinte jogadores diz muito pouca coisa sobre o elenco que o Brasil enfrentará na quarta-feira. Cinco deles jogam na Noruega, quatro na própria Estônia, dois na Suécia e o resto atua em países diferentes. Os nomes que mais se destacam são Ragnar Klavan, lateral-esquerdo de 23 anos do atual campeão holandês AZ, e Kristen Viikmae, atacante de 30 anos do clube sueco Sodra IF e que detém a marca de maior número de jogos e gols pela seleção no grupo convocado (111 jogos, 15 gols).

 

A Estônia tem colhido bons frutos quando joga no 4-3-3, como o empate sem gols com Portugal e a vitória por 2-0 sobre o Canadá, último triunfo por mais de um gol de diferença. Uma análise das escalações desses dois jogos leva a crer que a espinha dorsal é formada pelo zagueiro Barengrub, o lateral-direito Jaager, o lateral-esquerdo Klavan (que também atua como meia), o volante Dmitrijev, o meia Vassilijev e os atacantes Purje e Kink. Se o esquema for mantido (não sei se o técnico ousaria tanto contra o Brasil, mas se o fez contra Portugal...), eu arriscaria um onze com Pareiko (Londak); Jaager, Piiroja (Rahn), Barengrub, Klavan (Kruglov); Vassilijev, Dmitrijev, Vunk (Klavan); Purje, Kink, Zenjov (Viikmae ou Voskoboinikov).

 

Bem, aí está. Fiquemos de olho nesse clássico do futebol mundial.

Errata

10/08/2009 18:33

Em minha última postagem aqui, congratulei o Botafogo por seus pés no chão em 2009. Acreditei na diretoria alvinegra. Caí numa esparrela.

Com Ney Franco demitido, tudo vai por água abaixo, e não considero exagero dizer isso. O técnico é competente, comprometido com a missão e fazia o possível e o impossível para parir um onze competitivo do elenco que tinha em mãos. Mais do que isso, porém, há o simbolismo. A queda de Ney Franco é a prova definitiva de que as coisas não mudaram, como havia pensado. A prova de que, mais uma vez, os dirigentes cedem ao irrealismo, ao estúpido orgulho cartolístico que não admite pensar que, pelo menos por enquanto, o lugar do time é mesmo na metade de baixo da tabela.

Toda aquela história de não tomar decisões baseadas no imediatismo, de ter paciência, de fazer sacrifícios agora para garantir um futuro decente... No fundo, nada disso era verdade. Eu fui precipitado em achar que os tempos estivessem mudando em General Severiano. Está tudo na mesma, tudo caminhando para o mesmo ponto de sempre. Não estou dizendo que o Glorioso está irremediavelmente condenado, mas, pelo visto, está fazendo um baita esforço para isso. Mudam os atores, ficam o roteiro e o cenário.

Há coisas que só acontecem com o Botafogo. Mas algumas delas o Botafogo bem que merece.

Palmas para eles

23/07/2009 22:14

Para o Botafogo, empatar em 2-2 com o Náutico fora de casa foi um ótimo resultado. Explico. Para começar, o Estádio dos Aflitos é um lugar complicado de se atuar como visitante. Todos lembram da última passagem do Botafogo por lá, quando o zagueiro André Luís, hoje no Barueri, saiu preso. Recuperar-se de uma virada na pressão de lá, como foi o caso do alvinegro, é um mérito. Some-se a isso o fato de que Fogão e Timbu são times que brigarão na mesma parte da tabela, pois é positivo tirar pontos de adversários diretos na casa deles.

Sim, isso mesmo que eu disse: o Botafogo pertence à porção inferior da tábua de classificação em 2009. E não, isso é necessariamente ruim. O que tem que ser destacado o ano todo é que, em General Severiano, os tempos são de cintos apertados. A folha de pagamento mensal foi reduzida a pouco mais de R$ 1 milhão e o elenco é limitado devido aos gastos freados. É hora de reesruturação.

O Botafogo está, efetivamente, dando um passo para trás para poder, no futuro, dar dois para a frente. Os membros da atual diretoria fazem o certo. Pagam pelos erros de administrações anteriores, pelo bem da instituição Botafogo de Futebol e Regatas. Discretamente, sem “cartoladas”, com a consciência de que um decrescimento momentâneo é necessário para recolocar de pé um gigante. Prova disso é que Ney Franco, ótimo técnico, continua no cargo. Os resultados oscilantes, esperados e compreendidos, não sobem à cabeça.

Isso não quer dizer que o time é uma porcaria. Reinaldo recém voltou e já fez gol. André Lima está participativo. Renato mostra evolução. Juninho é o principal jogador, inquestionavelmente. Há expectativa em relação às estreias de Michael e Jônatas. A turma de Marechal Hermes é olhada com carinho. Tudo isso contribui para formar uma equipe que, se não produz muitos brilharecos, pelo menos tem capacidade de realizar uma campanha respeitável para os padrões atuais.

O importante é que Maurício Assumpção e companhia têm coragem de encarar de peito aberto os problemas do clube e enfrentá-los, sem se acovardar frente aos custos. Um exemplo a ser seguido pelos medievais dirigentes do futebol brasileiro. E a ser admirado pelo torcedor.

Valor-notícia

08/07/2009 18:22

Ronaldo foi ao programa Bem, Amigos, do SPORTV, comandado por Galvão Bueno. Lá, fez uma provocaçãozinha ao Flamengo, falando que o clube rubro-negro não tem a maior torcida do país, e comentou sobre uma suposta “mãozinha” que o presidente Lula estaria dando ao Corinthians na construção do CT do clube, indicando alguns empreiteiros de seu conhecimento. Qualquer jornal já saberia na hora qual das duas declarações estampar como manchete. O Lance, porém, não é qualquer jornal.

Olho no Lancê

Em letras garrafais, as palavras do Fenômeno sobre o número de seguidores do Urubu foram destaque no site do maior diário esportivo do país durante todo o dia de ontem, terça-feira, 7 de julho. Quando não elas, as réplicas de Cuca, Kléber Leite e quem mais sentisse a necessidade de rodar a baiana. É claro que Ronaldo não pretendia anunciar a descoberta de Atlântida quando falou o que falou. É preciso todo um estudo para definir com precisão essas coisas, e o centroavante manifestou sua opinião apenas.

Por outro lado, sua declaração a respeito da camaradagem do presidente da República para com o clube do Parque São Jorge é de suma importância. Isso deve ser investigado e trazido às claras o quanto antes. É inadmissível que o mais alto mandatário da nação dê privilégios a uma equipe de futebol. Também pesa a questão política. Lula busca apoio para sua cria Dilma Roussef nas eleições do ano que vem, e estar nas boas graças da fiel torcida não pode ser negativo.

"Aqui é Curínfia, meu"

A escolha do Lance pela “desnotícia”, pela manchete vazia, não só é pobre do ponto de vista jornalístico (até eu sei disso) como também é irresponsável. Cito aqui, verbatim, a missão do jornal, enunciada no alto da página 2 de todas as edições: “Ser a referência em conteúdo esportivo no País oferecendo um jornalismo de qualidade e independente, em defesa dos interesses do torcedor e do desenvolvimento do esporte nacional”. O esporte nacional beneficia-se infinitamente mais quando a imprensa cobra explicações sobre uma suposta promiscuidade entre o poder público e uma agremiação privada do que quando essa mesma imprensa joga pra torcida e faz oba-oba com picuinhas regionalísticas.

Estou lendo o livro de Maurício Stycer (na verdade, uma tese de doutorado) que conta a história do Lance, assim como já li o estudo de caso que Paulo Vinícius Coelho, o PVC3PO, fez da trajetória do jornal. Percebo que o Lance precisa desse apelo mais popularesco para sobreviver. Sustentar um diário esportivo no Brasil é muito mais complexo e difícil do que se imagina. O torcedor brasileiro, em geral, não gosta de futebol, gosta é do seu time. Entendo isso. Mas só porque eu entendo não quer dizer que desculpo ou relevo esse tipo de atitude do Lance, que é recorrente. O porta-bandeira da imprensa esportiva nacional não pode se reduzir a isso.

E este é o mestre-sala!

Dono do terreiro

17/06/2009 21:46

O Atlético-MG tem muito significado pra mim, e não só por ter sido o primeiro vencedor do Campeonato Brasileiro. Falo de significado pessoal mesmo. É o time do meu avô, do meu pai e de um dos meus melhores amigos. O Galo me desperta um carinho profundo. Qual não é minha satisfação, portanto, ao ver o número 1 postado à esquerda do nome do Clube Atlético Mineiro na tabela do Brasileirão, à frente de equipes amplamente mais qualificadas.

Desde que retornou da segunda divisão, em 2006, o Atlético tem agido como um clube que se recusa a perceber que deixou de ser grande. 2007 terminou com o título mineiro na bagagem, após goleada acachapante sobre o Cruzeiro, e uma honrosa oitava colocação no nacional, o que projetou grandes expectativas para 2008. Todas prontamente frustradas no Campeonato Mineiro, com a goleada devolvida pela Raposa, e liquidadas de vez no Brasileiro, onde o time flertou com o rebaixamento por muitas rodadas até ser salvo pela garotada.

Após esses momentos amargos, agravados pela crise interna que culminou com a renúncia do presidente Ziza Valadares, era hora de botar a cabeça no lugar e finalmente encarar a verdade. O Atlético ficou para trás, e não há nenhuma vergonha em reconhecer isso. É definitivamente melhor do que nutrir falsas esperanças e acumular decepções. 2009 começou assim, sem muito alarde, sob a batuta do competente Alexandre Kalil, e o time engrenou. A perda do título estadual com nova goleada contra chegou a chacoalhar um pouco as estruturas, mas sem ameaçar de fato a estabilidade.

O segredo foi não se iludir com a boa campanha. Talvez a derrota na final do Mineiro e a desclassificação da Copa do Brasil, ambas muito próximas, tenham contribuído para baixar a bola, mas, independentemente dos motivos, o Atlético não tocou o barco de queixo erguido, como se fosse automaticamente candidato ao título desde sempre. Ninguém falou desse assunto abertamente. E assim, jogando um futebol agradável, engatado e confiante, o Atlético vai fazendo o seu.

Diego Tardelli e Éder Luís estão afinadíssimos na frente, apoiados pelo toque de classe provido por Júnior. Carlos Alberto e Thiago Feltri fazem um sóbrio par de laterais. Welton Felipe cresce na zaga. O melhor goleiro do interior paulista (e o interior paulista tem um bocado de bons goleiros), Aranha, chegou para suprir a maior deficiência que ainda existia. Ainda há ajustes a serem feitos no meio, que pode ser mais dinâmico e evitar o desenvolvimento de uma dependência das descidas em velocidade. Celso Roth, por sua vez, sinaliza a segunda temporada seguida tirando impressionante produtividade de um grupo do qual pouco se esperava.

É bom ver o Galo revigorado. É saudável ao futebol ver um antigo colosso renascendo. E é ainda mais saudável para mim ver um clube tão querido com um sorriso largo no rosto.