Chez Football

18/01/2009 17:29

Retornei hoje de umas feriazinhas de três dias na Terra da Garoa, onde estive para reverenciar, junto com outras 44.999 pessoas, sir Elton John e seus diamantes musicais em um show inigualável. Como não poderia deixar de ser, visitei alguns pontos de interesse na cidade. Um deles, na sexta-feira, foi o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido como Pacaembu. Belíssimo, ouso dizer que é o mais bonito estádio de futebol em que já entrei. Ah, mas não fui lá só para ver os trabalhadores dando a caprichada final no gramado que receberia Corinthians e Estudiantes no dia seguinte. Lá fica localizado o Museu do Futebol. O relato que segue é minha experiência pessoal da visita, e se você já conhece o lugar, por favor, furte-se de minhas palavras, pois você sabe que elas não fazem jus ao primor do templo construído nas entranhas da arena que leva o nome do Marechal da Vitória.

Logo de cara, uma lojinha. Teoricamente ela é o ponto final do passeio, mas viva a liberdade. Entrei. Não é só uma loja de futebol, é um santuário. Para ficar no exemplo, encontrei, folheando uma das gôndolas de camisas, um espécime do uniforme de mil-novecentos-e-guaraná-de-rolha do glorioso Partizan Belgrado. Babei um pouco sobre alguns livros e segui adiante, para o museu propriamente dito. Pagando a bagatela de três reais (meia-entrada), parti para um prolongado orgasmo audiovisual.

Quem me recebeu foi ninguém menos do que um trilíngue Pelé, esbanjando simpatia em português, inglês e espanhol. Não, não encontrei o Rei, mas fui recepcionado por uma imagem virtual em tamanho real dele, que me desejou as boas-vindas. Antes, uma ante-sala com paredes recobertas de cima a baixo por uma infindável memorabilia de figurinhas, fotos, escudos, flâmulas e outros itens de colecionador. É de despertar a cleptomania no mais puro cristão. Resisti aos impulsos e fui em frente.

São várias salas de exposição ao longo do percurso do museu, mas não me preocupei em decorar o nome delas. A primeira exibe imagens holográficas, que se alternam, de 25 grandes craques do futebol brasileiro, os "Anjos Barrocos". A saber: Bebeto, Carlos Alberto Torres, Didi, Djalma Santos, Falcão, Garrincha, Gérson, Gilmar Neves, Jairzinho, Julinho Botelho, Nilton Santos, Pelé, Rivaldo, Rivellino, Roberto Carlos, Romário, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Sócrates, Taffarel, Tostão, Vavá, Zagallo, Zico e Zizinho. Deleitei-me com as projeções (perfeitas), li a breve história de cada um, lamentei a ausência de Domingos da Guia e passei à próxima sala, onde tive meu primeiro momento de sublimação.

Várias cabines permitiam ao visitante recordar gols históricos da trajetória do futebol. Havia as televisões, com comentários de grandes nomes ligados (ou não) ao esporte, e as cabines de rádio, por assim dizer. Escolhi uma destas últimas. Sentei-me em um banquinho e notei dois alto-falantes à altura dos meus ouvidos. À minha frente vi uma espécie de dial de rádio ampliado, em que eu podia mover um ponteiro e escolher uma narração histórica. Curioso, arrastei o equipamento na direção das palavras "Jorge Cury - 1950". Sim, era a final da Copa. Sim, era o gol de Ghiggia. Admito que nunca havia compreendido o que foi aquele gol até ouvir a voz desesperada e incrédula de Cury, locutor das rádios Golobo, Nacional e Tupi, entrando pelo meu cérebro e calando fundo em cada nervo da minha pele. Tive que repetir a dose. Monopolizei a cabine por uns bons minutos, tentando visualizar o Maracanã e cada um de seus quase duzentos mil rostos, petrificados na perplexidade eterna. Tentei ser Friaça e Zizinho, Bauer e Ademir, Juvenal e Jair, tentei ser Barbosa, o Judas imerecido. Não conseguindo, engoli o trauma retroativo, a tristeza meio século atrasada, e fui em frente.

Na sala seguinte, mal recuperado de meu Maracanazo particular, percebi que alguma coisa grande estava acontecendo. O cheiro de terra molhada, o ar abafado, as batidas ritmadas. Então, uma explosão de sons e luz. Percebi primeiro o lugar em que estava: o subterrâneo! Vigas em volta, solo escavado. Sobre a minha cabeça, degraus invertidos: as arquibancadas! Só aí fui dar atenção às imagens que dançavam, acompanhadas de gritos, cantos, refrões, cores... Torcidas! A Sala da Exaltação (dessa lembro o nome) é uma imersão no mundo do amor à camisa, da paixão incondicional. Seguidores de Náutico, Goiás, América de Natal, Flamengo, Santos, Atlético Mineiro, Internacional, fui perdendo a conta, me perdendo no meio dos gritos, me deixando levar por cada uma das massas vibrantes que me era mostrada, como se fosse real, como se estivesse pulando no chão logo acima de mim, empurrando o time em algum jogo que estivesse acontecendo naquele exato momento. Vídeos, claro. Vídeos projetados na diversas telas espalhadas pelos pilares de sustentação do Pacaembu. Porém, mais real só estando lá. Nota mental: ir a um jogo, qualquer jogo, assim que surgir a oportunidade. Ficar do lado da torcida mais barulhenta, não importa qual seja. Alguém sabe quando é Brasiliense x Gama?

Nesse ponto percebi que a hora corria apressada e tive que abreviar minha passagem pelas outras salas devido ao horário combinado com o taxista (Leandro, são-paulino, portanto confiável). Eu estava há uma hora e meia no museu e não havia percorrido metade do que havia para ver. Corri por fotos, vídeos, painéis, li placas e textos rapidamente, vi pedaços de vídeos. Não vou descrever nada das salas subsequentes pois seria injusto com elas. Mas acredite: são também mágicas. Detive-me apenas em três momentos: na plataforma com vista para a Praça Charles Miller, em frente ao estádio, no pedaço de arquibancada a que se tem acesso duranta a visita e no Corredor do Silêncio (nome dado por mim), trecho com isolamento acústico impecável em que pude ver aquilo que havia ouvido mais atrás: Ghiggia. A corrida. O chute. A poeirinha branca. A bola rolando. Barbosa e a trave. O gol. De novo aquela sensação de afundamento do estômago. Eu sei que já somos penta, que tudo isso foi há cinquenta e oito anos. Mas está lá. Sempre estará lá. E agora eu sei exatamente como foi. Não apenas os fatos, mas o espírito. A felicidade breve. A decepção. Ah, 1950...

Já dentro do táxi, olhei para trás e admirei as belas colunas do Pacaembu mais uma vez. Não poderia voltar no sábado, já que o museu não abre em dia de jogo. Fica para uma próxima. Reservarei um dia inteiro. Almoçarei no estádio. Tenho que voltar. O passeio não pode ficar incompleto. Vamos dizer que esta foi apenas a primeira perna do confronto, o jogo de ida. Agora é recobrar as forças para o jogo de volta. E não duvide: vou forçar prorrogação.

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