De caixa a caixa

08/06/2009 22:39

A derrota do Flamengo para o Sport na 5ª rodada do Brasileirão foi das coisas mais impressionantes que aconteceram no ano dentro de um campo de futebol. A vantagem alcançada pelos dois gols de Emerson antes de o relógio anunciar dez minutos de peleja até poderia ser considerada normal quando se leva em conta o frangalho psicológico e emocional em que se encontra o Leão. Some-se a isso a estreia de um novo treinador, um caldeirão que perdeu a sua mística e um tabu de nove anos sem vitórias pernambucanas sobre o Fla e temos aí um resultado até que plausível, apesar de meteórico.

 

O caldo, porém, desandou. Com um desempenho defensivo que beirou o patético, o Urubu engoliu em oito minutos o mesmo número de gols que havia sofrido nas quatro partidas anteriores pela competição. Não houve quem escapasse de uma falha, nem mesmo o impecável Ronaldo Angelim, o Vidic do agreste, que trocou as pernas e deixou a bola rolar mansa para Weldon no tento de empate dos donos da casa. Ao fim do primeiro tempo o jogo já era outro, e o Flamengo não se recuperou do baque. A pergunta que inevitavelmente vem à cabeça (à minha, pelo menos) é: estivesse Kléberson em campo, o destino teria sido outro?

 

Ele tem o poder de mudar a história

 

Já falei e pensei muita bobagem sobre futebol, e essa que vem a seguir pode ser mais uma delas, mas arrisco dizer que Kléberson é o mais próximo que temos no Brasil daquela agonizante posição chamada box-to-box midfielder, literalmente o “meia de caixa-a-caixa”, sendo as “caixas” as grandes áreas. Jogadores deste tipo são cada vez mais raros no esporte bretão hoje em dia devido à proliferação de esquemas com duas linhas de meio-campo em lugar de uma só, como é no 4-4-2 clássico, por exemplo. O excelente Jonathan Wilson fala melhor disso, e recomendo fortemente a leitura de seu blog.

 

O que interessa aqui não é a triste sina dos box-to-box midfielders, mas sim Kléberson e sua importância para o Flamengo. É característica dos BTBM (é uma sigla estúpida, mas enfim) a capacidade de apoiar o ataque e a defesa igualmente bem, realizando efetivamente o trabalho de dois atletas e concedendo uma teórica vantagem numérica. O esquema adotado por Cuca no Flamengo exige um deslocamento massivo dos jogadores, de modo que o time possa chegar inteiro tanto ao ataque quanto à defesa, o que efetivamente acontece. Para isso, porém, precisa de um ponto de equilíbrio, que encontra justamente no pentacampeão. Experiente, rodado, versátil e dotado de técnica acima da média nacional, Kléberson é a sustentação rubro-negra.

 

"Vem pras caixas você também!"

 

Convocado para a seleção, e merecidamente, o BTBM (ou quase isso) desfalcou a equipe. Resultado? O brilho sumiu. Para compensar a perda defensiva, Williams e Toró ficaram amarrados à intermediária, mas nenhum dos dois possui o talento de Kléberson para o desarme ou a saída de bola. Daí o excesso de faltas naquele ponto do campo, duas das quais resultaram em gols adversários. A cobertura dos avanços de Juan e Léo Moura ficou deficiente, e foi pela avenida na direita que saiu outro gol do Sport. Ibson perdeu seu parceiro na armação e os alas tiveram que se ocupar também desta função, o que se revelou infrutífero quando o jogo se equilibrou.

 

Não há no elenco flamenguista um jogador capaz de fazer o que Kléberson faz. Mesmo entre os boleiros brasileiros em atividade é difícil encontrar alguém. Hernanes e Ramires, os que mais se aproximavam disso, foram transformados em meias. Lucas e Anderson estão tentando se adaptar à função em seus clubes, mas o primeiro tem a concorrência de um dos melhores jogadores do planeta e o segundo ainda peca em alguns pontos. Elano chega perto, mas joga mais pelos lados. A convocação de Kléberson foi surpreendente quando anunciada, mas, depois que a informação assenta um pouco, é compreensível. Ter um jogador assim no elenco é importante. Pior para o Flamengo.

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