Em dívida com o hincha

20/08/2009 19:36

Considerando circunstâncias naturais de temperatura e pressão, a notícia deveria ser velha, com uma semana de atraso. Contudo, a associação dos jogadores, cansada de ver seus vários de seus defendidos com dívidas absurdas, resolveu bater o pé e adiar o início do Apertura 2009. Agora, com a situação aparentemente resolvida, o Campeonato Argentino enfim pode voltar para reacender a emoção das apaixonadas hinchadas.

Da para dizer que o futebol nacional estava em dívida para com seu torcedor também por este atraso. Só que, curiosamente, resolveram pagá-la com o dinheiro do próprio fã de futebol. 600 milhões de pesos, para ser mais exato, é o valor desembolsado pelo governo de Cristina Kirchner para comprar os direitos de transmissão das partidas junto à AFA.

Com isso, os clubes tiveram respaldo, e ajuda da própria associação de Julio Grondona, para enfim honrar os compromissos com os jogadores. Contudo, não significa o fim da recessão no mercado argentino. Somando todos as 20 equipes, os gastos atingem pouco mais de 7 milhões de euros, sendo que 90% das negociações se deu em cessões por empréstimo.

Exemplo disso é o Boca Juniors, agora de Alfio Basile. Pela primeira vez em 13 anos, o clube terminou uma temporada em déficit, e sua divida passa dos 100 milhões de pesos. Conformado com essa realidade pouco suscetível a mudanças em curto prazo, eles se reforçaram com jogadores de valor e a maioria é emprestada. Rosada, Gunino, Medel e Insúa, além das voltas de Monzon e Marino.

Essa turma, agora aliada de Riquelme, Palermo e companhia, terá pela frente uma missão dura e incomum para padrões dos Xeneizes: se classificar para a Libertadores 2010. A dificuldade nessa luta é o preço pago pela pífia 14ª colocação conquistada no Clausura 2009. Para se ter uma idéia da dificuldade inicial, o Boca já parte com 8 pontos de deficit em relação ao Racing, último time que se classificaria na pontuação atual.

Todavia, a chegada de Basile, promete dar alma nova ao time, embora o 4-4-2 já seja velho conhecido. Insúa, pela esquerda, traz a criatividade que tanto falta desde a venda de Dátolo ao Nápoli. Medel provou ser um jogador de qualidade e versatilidade, sendo titular na vaga deixada por Vargas (Almeria), ou como reserva de Ibarra. Com Roman prometendo mais empenho, a zaga mantendo a solidez do Clausura, e Palermo fazendo os gol de costume, o Boca deverá voltar a ser um candidato respeitável ao título.

Tal qual o grande rival, o River Plate também busca se garantir na Libertadores mais uma vez. Porém, na contramão dos auriazuis, os Millonários se reforçaram pouco e com jogadores 'veteranos demais'. Ariel Ortega e Matias Almeyda, ambos de 35 anos. El Burrito estava no Independiente Rivadavia, clube da segunda divisão argentina, enquanto Almeyda estava no showbol, há dois anos sem jogar profissionalmente.

E isso não é tudo que aflige o torcedor do time de Nuñez. Radamel Falcão Garcia, goleador colombiano importante em demasia para a equipe, foi vendido ao porto por 3,9 milhões de euros. Some a isso o fato do River ter sido lanterna no Apertura passado, eliminado na primeira fase na Libertadores 2009 e feito uma campanha apenas razoável no Clausura. Ou seja, o resultado lógico são atuações medíocres e uma torcida descrente.

A esperança de gols pesa então sobre os ombros de Fabbiani, que deverá ter Rosales como companheiro de ataque. Na criação, Buonanotte, Gallardo e Villagra seguirão como as valvulas de escape. Na zaga, nem o retrospecto e nem o prognóstico são dos melhores, pois Quiroga, Gerlo, Cabral e Ferrari não vêm inspirando confiança. Mesmo assim, quem sabe Almeyda e Ortega não brilham como em tempos passados, embora a lógica esteja contra?

Quem vem no alto da confiança com a crítica e com a torcida é o Vélez Sarsfield. Os campeões do último clausura conseguiram outra façanha igualmente digna de comemoração na Argentina: mantiveram a base que trouxe a glória para o bairro de Liniers. A única baixa foi o retorno de Larrivey ao Cagliari, mas para seu lugar, foi trazido o decisivo Leandro Caruso e o velho conhecido Rolando Zárate.

Com o elenco intocado, é possível garantir denovo a segurança da zaga com Otamendi e Sebá Dominguez, a combatividade de Somoza, Cubero e Zapata no meio e a rapidez criativa de Papa e Moralez nas pontas. E mesmo com os reforços, a estrela da ofensividade segue sendo o uruguaio Hernan Rodrigo López, autor de 11 gols na campanha do título. Ricardo Gareca tem motivos para sorrir e confiar no bicampeonato.

Na mesma condição de campeão, esse da Libertadores, chega o Estudiantes. Mas os pinchas, diferentemente do Fortín, não conseguiu resistir a temerosa janela. Saíram Andujar, Gaston Fernandez e Galvan, importantes peças na conquista da América. Ao menos a vinda do bom lateral-esquerdo Clemente Rodriguez torna o prejuízo bem menor.

A maneira de jogar com inteligência defensiva comandada por Alejandro Sabella deve se manter sem perder muita qualidade. O maestro Veron e o artilheiro Boselli seguem para orquestrar as vitórias, e Angeleri deve voltar para assegura-las lá atrás. A dúvida fica por conta do foco da equipe no Apertura, já que é inevitável não pensar no Mundial de Clubes em dezembro. Se conseguirem conciliar bem esta situação, os Pinchas também entram de sola na briga pelo caneco.

Outros times de valor também merecem atenção. O Lanus perdeu José Sand, seu grande matador, mas o contratado Santiago Salcedo, aliado a Salvio e Blanco, devem fazer os Granates continuarem entre os melhores na tabela, fato que vem se repetindo desde 2007. Agora mais distante do drama do descenso, o Racing também se estabelece para, pelo menos, voltar à Libertadores. Quanto ao atual vice-campeão, o Huracan se torna uma incógnita por perder Pastore, Nieto, Diaz e, provavelmente, De Federico.

Todos estas são previsões baseadas na análise tática e no rendimento passado dos prováveis favoritos ao título. Só que o Campeonato Argentino traz, como nenhum outro torneio, a imprevisibilidade como fator forte e constante. Ou alguem imaginava que Velez e Huracan tomariam os lugares de protagonistas de Boca e San Lorenzo no começo do ano? É sabido que a emoção até a última rodada é garantida. E nada mais justo com o torcedor, afinal pagaram, literalmente, para ver a bola rolar.

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