Narizes ao alto

24/02/2009 13:24

Outro dia, antes do mais recente Derby della Madonnina, o SporTV exibiu um especial do repórter Bruno Cortes na Itália, que falava, entre outras coisas, da rivalidade entre milanistas e interistas. No museu do San Siro/Giuseppe Meazza, o repórter entrevistou um tifoso nerazzurro, que explicou, de maneira bem sóbria, porque não tem muito apreço, digamos assim, por seus contrapartes rossoneri. Uma das coisas me chamou a atenção: ele disse que os torcedores do Milan são muito convencidos, e metem-se a esfregar seus sete títulos europeus na cara do interlocutor por qualquer motivo. Não importa o assunto, há que se exibir os títulos como prova incontestável de uma suposta superioridade.

Trago isto à tona para falar de algo que tem me incomodado bastante nos últimos dias. Para ser mais preciso, desde o "Majestoso dos 10%", o clássico entre São Paulo e Corinthians que, cercado de polêmicas, acusações e factóides, terminou com bombas, reações agressivas da polícia, baderna de torcedores uniformizados, depredação de patrimônio e, o que é pior, pessoas feridas. Não venho aqui discutir culpas e responsabilidades, e sim destacar (e criticar) uma postura comum da diretoria do São Paulo que ganhou muita evidência desde o episódio. Não são todos os dirigentes que assumem essa portura, claro, mas aqueles que assumem são suficientemente influentes para fazer o torcedor são-paulino pensar que tem o direito de assumi-la também. Falo, especificamente, do superintendente de futebol Marco Aurélio Cunha e do diretor jurídico Kalil Rocha Abdala.

Antes de mais nada, vale dizer que sou são-paulino e, como tal, sinto-me perfeitamente no direito de contestar o que é feito em nome do São Paulo Futebol Clube que me desagrada. O papel do torcedor é apoiar e vibrar por seu time, e isso inclui não bater palminhas para tudo que as pessoas relacionadas ao time fazem. Ser conivente com erros do outro é ajudar a perpetuá-los, o que é prejudicial ao outro em questão.

Prosseguindo. O que estou querendo dizer, sem meias palavras, é que os referidos cavalheiros, juntamente com muitos torcedores tricolores e, imagino, outros integrantes da diretoria que não vêm a público com tanta frequência, são arrogantes e desrespeitosos. Pensam que mais títulos e uma boa estrutura administrativa são desculpa para tomar ares de superiores a tudo e todos. Sim, o São Paulo conta com gente competente e é gerido de forma mais profissional do que é a regra entre os clubes brasileiros. Mas tudo isso não significa nada perto do pensamento pequeno e mesquinho manifestado em duas declarações dadas pelos dirigentes supracitados nos últimos dias.

Marco Aurélio Cunha, o mesmo que já se posicionou favorável a jogos de uma torcida só, é o autor das seguintes palavras: "Não precisamos do Corinthians para sobreviver. Três shows da Madonna renderam o mesmo que dois anos de jogos do Corinthians no Morumbi". Primeiro que é uma obtusidade contar mais com as apresentações esporádicas de um superastro internacional do pop, que podem nem acontecer, do que com as partidas de um time vizinho, que todo ano tem, infalivelmente, dezenas de compromissos na mesma cidade. Segundo que é a tradução da ideia de que o São Paulo é perfeito e auto-suficiente, e os outros clubes são pedrinhas no sapato. Já Kalil Rocha Abdala é mais acintoso: "Como galinha não tem estádio, não sei onde eles jogarão partidas importantes, a não ser que estejam pensando na Libertadores". Além de xingar o rival, complementa o pensamento de Marco Aurélio Cunha: não precisamos deles, magníficos que somos, mas eles, coitadinhos, precisam de nós. É um estorvo tão grande ceder o estádio a outro clube, sendo que este clube paga e zela pelo estádio quando joga lá? Será que vale a pena ferir para sempre as relações tão necessárias entre duas agremiações de futebol e fazer inimigos apenas por causa de algo que pode ser apenas uma boa fase?

A imprensa tem também sua parcela de culpa quando rasga seda para o São Paulo sempre que tem a oportunidade e infla ainda mais o ego de uns e outros. Fazem ressalvas, às vezes, mas visivelmente a contragosto. Como se não fosse necessária nenhuma contrapartida moral e ética quando se trabalha bem. E às vezes mesmo esse tão proclamado bom trabalho é contestável. Como foi o caso com as contratações do início de 2008, para ficar só no plano futebolístico. Como é o caso com o oportunismo ao se aproveitar de brechas na Lei de Incentivo ao Esporte para captar recursos públicos e usá-los em projetos internos que nada têm a ver com a formação esportiva. Tão grande é o deslumbramento com o "modelo são-paulino" que se esquece de discutir outros pontos.

Um clube que se pretende exemplo não pode admitir arrogância. Entre os torcedores é até mais compreensível (porém não perdoável). Entre dirigentes, os mesmos que se proclamam a nível europeu, é prova de que o amadorismo ainda assombra. Não é necessário suportarmos esse tipo de empáfia para vermos uma administração decente e bem-sucedida no futebol brasileiro. Internacional e Grêmio estão aí para provar, e fazem isso com muito pouco alarde.

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